O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é
o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo. Muitas vezes, em nossa
existência, vemos os nossos sonhos desfeitos e nossos desejos frustrados, mas é
preciso continuar sonhando, senão nossa alma morre e Ágape não penetra nela
(...).
O Bom Combate é aquele que é travado porque o
nosso coração pede. Nas épocas heroicas, no tempo dos cavaleiros andantes, isto
era fácil, havia muita terra para conquistar e muita coisa para fazer. Hoje em
dia, porém, o mundo mudou muito, e o Bom Combate foi transportado dos campos de
atalha para dentro de nós mesmos.
O Bom Combate é aquele que é travado em nome
de nossos sonhos. Quando eles explodem
em nós com todo o seu vigor na juventude – nós temos muita coragem par
combater. Por causa disto, nos voltamos contra nós e combatemos a nós mesmos, e
passamos a ser nosso inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difíceis
de realizar, ou fruto de nosso desconhecimento das realidades da vida. Matamos
nossos sonhos porque temos medo de combater o Bom Combate.
1. O primeiro sintoma de que estamos matando
nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas que conheci na minha
vida sempre tinham tempo para tudo. As que nada faziam estavam sempre cansadas,
não davam conta do pouco trabalho que precisavam realizar, e se queixavam
constantemente que o dia era curto demais. Na verdade, elas tinham medo de
combater o Bom Combate.
2. O segundo sintoma da morte de nossos sonhos são
nossas certezas. Porque não queremos olhar a vida como uma grande aventura a
ser vivida, passamos a nos julgar sábios, justos e corretos no pouco que
pedimos da existência. Olhamos para além das muralhas do nosso dia-a-dia e
ouvimos o ruído de lanças que se quebram, o cheiro de suor e de pólvora, as
grandes quedas e os olhares sedentos de conquista dos guerreiros. Mas nunca
percebemos a alegria, a imensa Alegria que está no coração de quem está
lutando, porque para estes não importa nem a vitória, nem a derrota, importa
apenas combater o Bom Combate.
3. Finalmente, o terceiro sintoma da morte de
nossos sonhos é a Paz. A vida passa a ser uma tarde de domingo, sem nos pedir
grandes coisas, e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos então que
estamos maduros, deixamos de lado as fantasias da infância, e conseguimos nossa
realização pessoal e profissional. Ficamos surpresos quando alguém de nossa
idade diz que quer ainda isto ou aquilo da vida. Mas na verdade, no íntimo de
nosso coração, sabemos que o que aconteceu foi que renunciamos à luta por
nossos sonhos. A combater o Bom Combate.
“(...) Quando renunciamos aos nossos sonhos e
encontramos a paz – temos um pequeno período de tranquilidade. Mas os sonhos
mortos começam a apodrecer dentro de nós, e infestar todo o ambiente em que
vivemos. Começamos a nos tornar cruéis com aqueles que nos cercam, e finalmente
passamos a dirigir essa crueldade contra nós mesmos. Surgem as doenças e as
psicoses. O que queríamos evitar no combate – a decepção e a derrota – passa a
ser o único legado de nossa covardia. E um belo dia, os sonhos mortos e apodrecidos
tornam o ar difícil de respirar e passamos a desejar a morte, a morte que nos
livrasse de nossas certezas, de nossas ocupações, e daquela terrível paz das
tardes de domingo. (...) A única maneira de salvamos nossos sonhos, é sendo
generosos conosco mesmos. Qualquer tentativa de autopunição – por mais sutil
que seja, deve ser tratada com rigor.”
(Adaptação de um trecho do livro Diário de um Mago – Paulo Coelho).