RIO DE JANEIRO, 9 de dezembro de 1977 – dez e meia da manhã. Quando – em decorrência de
um câncer e apenas um dia antes de completar o seu quinquagésimo sétimo
aniversário – a prodigiosa escritora Clarice Lispector partia do transitório
universo dos humanos, para perpetuar sua existência através das preciosas
letras que transbordavam da sua complexa alma feminina, os inúmeros
apreciadores daquela intrépida força de natureza sensível e pulsante ficavam
órfãos das suas epifânicas palavras, enquanto o mundo literário, embora
enriquecido pelos imorredouros legados que permaneceriam em seus contos,
crônicas e romances, ficaria incompleto por não mais partilhar – nem mesmo
através das obras póstumas – das histórias inéditas que desvaneciam junto com
ela.
Entretanto,
tempos depois da sua morte, inúmeras polêmicas concernentes a sua vida privada
vieram ao conhecimento público. Sobretudo, após ter sido inaugurado o Arquivo
Clarice Lispector do Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui
Barbosa (FCRB) – constituído por diversos documentos pessoais da escritora –
doados por um de seus filhos. E diante de correspondências trocadas com amigos
e parentes, trechos rabiscados de produções literárias, e algumas declarações
escritas sobre fatos e acontecimentos, a confirmação de que entre agosto de
1959 a fevereiro de 1961, era ela quem assinava uma coluna no jornal Correio da
Manhã sob o pseudônimo de Helen Palmer.
Decerto
aquilo não seria um dos seus maiores segredos. Aliás, nem era algo tão ignoto
assim. Muitos – principalmente os mais próximos – sabiam até mesmo que, no
período de maio a outubro de 1952, a convite do cronista Rubem Braga ela havia
usado a identidade falsa de Tereza Quadros para assinar uma coluna no tabloide
Comício. Assim como já se conscientizavam também, que a partir de abril de
1960, a coluna intitulada Só para Mulheres, do Diário da Noite, era escrita por
ela como Ghost writer da modelo e atriz Ilka Soares. Mas, indubitavelmente,
Clarice guardava algo bem mais adiante do que o seu lirismo introspectivo. Algo
que fugiria da interpretação dos seus
textos herméticos, e da revelação de seus pseudos. Um mistério que a própria
lógica desconheceria. Um enigma que persistiria afora dos seus oblíquos olhos
melancólicos.
Dizem,
inclusive, que em agosto de 1975, ela somente aceitou participar do Primeiro
Congresso Mundial de Bruxaria – em Bogotá, Colômbia – porque já estava
convencida de que aquela cíclica capacidade de renovação que lhe acompanhava,
viria de um poder supremo ao seu domínio e bem mais intricado que os seus
conflitos religiosos. Talvez seja mesmo verdade. Talvez não. Quem sabe
descobriríamos mais a respeito, se nessa mesma ocasião, sob o pretexto de
súbito um mal-estar ela não tivesse, inexplicavelmente, desistido de ler o
verdadeiro texto sobre magia que havia preparado cuidadosamente para o instante
da sua apresentação.
Em
deferência aos costumes judaicos quanto ao Shabat, Clarice só pode ser
sepultada no dia 11, domingo. Sabe-se hoje que o seu corpo repousa no túmulo
123 da fila G do Cemitério Comunal Israelita no bairro do Caju, Zona Norte da
cidade do Rio de Janeiro. Coincidentemente, próximo ao local onde a sua
personagem Macabéa gastava as horas vagas. No entanto, como quase todos os
extraordinários que fazem da vida um passeio de aprendizado, deduz-se que
Clarice tenha mesmo levado consigo uma fração de ensinamentos irreveláveis.
Certamente, os casos mais obscuros, tais como os episódios mais sigilosos,
partiram pegados ao seu acervo incriado, e sem dúvida alguma, muita coisa
envolta às suas sombras não seriam confidenciadas. Como por exemplo, o
verdadeiro motivo que lhe inspirou a adotar um daqueles pseudônimos (...).
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Obra com Registro no
Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional sob o Nº:
436909 em 30/07/08.
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