Mestre e discípulo caminhavam pela beira de uma praia discutindo a
respeito da vida quando se depararam com um ninho de tartarugas-marinhas saindo
dos ovos e correndo para o mar. Logo notaram que algumas haviam sido pisadas,
enquanto outras eram capturadas por pequenos animais ou simplesmente morriam
antes de alcançar a água. Então, perceberam que uma bem pequena já estava se
debatendo com o casco virado para baixo. O Mestre abaixou-se vagarosamente e
com um simples gesto, desvirou com a ponta do dedo a tartaruga, que conseguiu
alcançar o mar até desaparecer por entre as espumas das ondas.
Mediante aquela ínfima atitude, o discípulo indagou reflexivo:
– Mestre, por que o Senhor fez isso? Quero dizer, seu ato não alterará
nada, foi algo tão pequeno em relação à grandiosidade da Natureza de forma que
acho que para fazer alguma diferença teria que ser um ato imensamente maior...
O Senhor não acha?
E o Mestre simplesmente respondeu:
– Pois para AQUELA tartaruguinha um pequeno gesto do meu dedo fez toda diferença do mundo!
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Às vezes, através de gestos pequenos podemos fazer grandes coisas,
embora essas grandes coisas só sejam grandes em relação a quem recebe nosso
gesto. O fato é que existem pessoas que poderiam ser mais felizes se nós
entendêssemos que poderíamos ajudá-las através de pequenas coisas. Pessoas
esperam de nós um sorriso, um "bom dia!”, e até um "eu te amo!"
e muitas vezes para nós isso seria algo simples de se fazer, mas nem sempre
fazemos. Na Magia é preciso explicar que o magista é um homem ou mulher que nem
sempre vive de grandes atos. A vida do magista não é só grandes rituais,
evocações terríveis, e coisas maravilhosas. Magistas são pessoas de atos
grandes e pequenos, mas todos eles igualmente nobres.
Todo magista deve ter em mente que ele não veio ao mundo à passeio, e
que havia uma razão para que ele se tornasse um magista. Muitas vezes conversei
com magistas que ao serem perguntados o porquê se tornaram magistas, me
responderam: "Para descobrir meu Eu Superior." . Essa resposta está
parcialmente correta. De fato, essa descoberta do Eu Superior também é
importantíssima, mas não é o único objetivo dos estudos e dos treinamentos de
nenhum magista que tenha se dedicado corretamente. Se esse fosse o único
objetivo então seria egoísmo: de que adiantaria uma compreensão e conhecimentos
superiores, se não partilhar com ninguém e isso jamais se converter em
benefício a outras pessoas? Seria como se todas as pessoas estivessem dormindo
sendo que o magista é uma pessoa que acordou, e agora a sua função é ajudar as
outras pessoas a acordar também, para que veja o mundo tal qual ele é, e não
como as pessoas foram condicionadas a vê-lo.
Em "O Mito da Caverna", de Platão, essa situação é bem
descrita. Há ali pessoas que sempre viveram em uma escura caverna, mas uma
delas consegue ir lá fora, e volta contando as maravilhas da luz do dia. As
pessoas não acreditam, porque sempre viveram na escuridão e não acreditam nas
coisas que aquele que viu a luz está lhes relatando. Isso não faz parte de suas
realidades, desconhecem o conceito de realidade aparente e esse homem passa a
ser chamado de visionário e até de louco.
A Magia se torna malvista quando magistas não-preparados resolvem tentar
"despertar" os outros, contando-lhes coisas que não foram vistas e
induzindo-lhes ao erro camuflado de "grandes verdades da Magia”. Não há
"grandes Verdades" na Magia, tudo é muito simples, talvez simples
demais, e essa simplicidade toda é que mantém ocultas muitas coisas. Um magista
não precisa praticar grandes atos, mas seus atos têm que ser grandes, no
sentido de que devem ter grandeza, correção e consciência. A Magia não existe
para fazer a felicidade financeira de ninguém, e nenhum magista pode cobrar por
seus serviços. Se considerarmos que esse magista seguiu os ritos corretos ele
também não teve de pagar nada pelo que aprendeu, e por isso não se justifica
que ele estabeleça preço par ajudar as pessoas. E esse ajudar poderá ser de
formas até bastante simples, e mesmo não sendo magista toda pessoa tem em mãos
a capacidade de fazer outras pessoas felizes.
O Ser Humano existe para ser feliz e nossa finalidade deveria ser a de
proporcionar felicidade uns aos outros. Por possuir outra visão de mundo, o magista
tem uma possibilidade maior de proporcionar isto às pessoas, que muitas vezes
só precisam de uma pequena ajuda. Mas, o magista não pode pegar as pessoas
pelas mãos e levá-las pelos caminhos, porque isso tiraria delas o senso de
luta, a capacidade de buscar o próprio destino e de dar rumo à própria vida.
Por isso é que eu digo: não posso lhe dar um caminho, mas posso lhe dar um
começo. Acho muito correta a filosofia que diz que a quem tem fome NÃO DEVEMOS
dar o peixe, e sim ensinar a pessoa a pescar, para que ela aprenda a andar com
os próprios pés. O magista pode e deve ajudar as pessoas, mas é preciso ter os
pés nos chão, por causa dos falsos magistas que através de uma Magia incompleta
e às vezes pervertida não só afastam as pessoas de seus caminhos como também
passam a se constituir para elas em uma fonte de desgraças.
Gestos pequenos também são passíveis de proporcionar felicidade aos
nossos semelhantes e possivelmente mesmo sem nos darmos conta disto nós podemos
ajudar a muitas pessoas. Ajudando aos outros ajudamos a nós mesmos; trazendo
felicidade aos outros é a nós mesmos que tornamos felizes. Afinal, não é uma
existência miserável a de alguém que nunca moveu um simples dedo em benefício
de seus semelhantes, nem se importou em ajudar aos irmãos que cruzaram o seu
caminho? Quem sabe se um pequeno gesto nosso poderá fazer toda diferença do
mundo para alguém?
Escrito pelo Mago Daniel no Templo do Mago às 04h30min – 23/10/1999 a.D.
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