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domingo, 6 de novembro de 2016

A Borboleta Azul E A Pedra






Que bom seria se nossos fardos e mazelas fossem meras maldições de criaturas das trevas e afins. Que bom seria se as bruxas das fábulas existissem, pois assim poderíamos caçá-las  à boa moda da inquisição e delas nos livraríamos juntamente com suas pragas e feitiçarias.
Mas que triste sina essa a nossa: somos nossos próprios algozes, somos nossos próprios benfeitores e nem sempre o controle disso está nas mãos da nossa razão consciente.
Lá vai então uma singela história de uma borboleta que, no cruzamento de sua história gravada na consciência ou não, vivia amarrada a uma pedra que não apenas lhe impedia de voar, mas também violentamente lhe dilacerava o corpo sempre que minimamente o tentasse.
Assim, entre o desejo de misturar o azul de suas asas ao azul do céu e o sentimento de proibição de qualquer mover de asas, ia vivendo dia após dia uma borboleta azul.
Coisa esquisita… era uma borboleta poderosa! Quem quer que lhe pousasse os olhos, por ela se encantava como que enfeitiçado por uma sensualidade irresistível. Olhar a borboleta, tocar a borboleta, ou até mesmo farejar sua existência punha em riste almas e falos… fazia disparar, ribombar corações!
Era uma sensação indescritível… um corpo que poderia passar despercebido, um corpo como de uma mulher como qualquer outra, se transformava em corpo de fantasia, fantasia de desejo, desejo enlouquecedor que não se saciaria nem que se sorvesse todo o azul daqueles poros, daquela pele tatuada, até fazer desaparecer o azul da borboleta.
Não, nem que se arrancasse toda a pele, seria possível fazer desaparecer a tatuagem da borboleta azul, pois se a pele traz suas inscrições, a alma traz sua escritura… como livro dos antigos… como história-mor… como essência maior dos múltiplos sentidos da borboleta azul.
E assim entre o desejo maior de todos e a entrega proibida vivia e ainda vive uma borboleta atada à uma pedra.
Pelos deuses! Que raios de laço são esse que não se desfaz? Só há uma explicação possível: é laço de menina, laço de moça e laço de mulher… é laço de gente que não vive só pelos sentidos do corpo… é laço de desenlace (de morte); é laço de gente que prefere viver um gozo aleijado, amarrado e sofrido do que provar o fel do amor efêmero.
Como eu disse, é um laço caprichoso e absolutamente típico da mulher! Homens não têm disso… por isso nunca compreenderão “o que deseja uma mulher”.
E assim prossegue o jogo: um meio amor aqui, um meio gozo ali, e uma censura chamada “pedra” à quem espontaneamente se mantém atada uma borboleta azul encarnada.
Será possível que algum dia surgiria alguém que fosse suficientemente irresistível a ponto de desatar o laço que prende a borboleta à pedra? E se houvesse esse alguém, o que aconteceria?

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