Que bom seria se nossos fardos e mazelas
fossem meras maldições de criaturas das trevas e afins. Que bom seria se as
bruxas das fábulas existissem, pois assim poderíamos caçá-las à boa moda da inquisição e delas nos
livraríamos juntamente com suas pragas e feitiçarias.
Mas que triste sina essa a nossa: somos
nossos próprios algozes, somos nossos próprios benfeitores e nem sempre o
controle disso está nas mãos da nossa razão consciente.
Lá vai então uma singela história de uma
borboleta que, no cruzamento de sua história gravada na consciência ou não,
vivia amarrada a uma pedra que não apenas lhe impedia de voar, mas também
violentamente lhe dilacerava o corpo sempre que minimamente o tentasse.
Assim, entre o desejo de misturar o azul
de suas asas ao azul do céu e o sentimento de proibição de qualquer mover de
asas, ia vivendo dia após dia uma borboleta azul.
Coisa esquisita… era uma borboleta
poderosa! Quem quer que lhe pousasse os olhos, por ela se encantava como que
enfeitiçado por uma sensualidade irresistível. Olhar a borboleta, tocar a
borboleta, ou até mesmo farejar sua existência punha em riste almas e falos…
fazia disparar, ribombar corações!
Era uma sensação indescritível… um corpo
que poderia passar despercebido, um corpo como de uma mulher como qualquer
outra, se transformava em corpo de fantasia, fantasia de desejo, desejo
enlouquecedor que não se saciaria nem que se sorvesse todo o azul daqueles
poros, daquela pele tatuada, até fazer desaparecer o azul da borboleta.
Não, nem que se arrancasse toda a pele,
seria possível fazer desaparecer a tatuagem da borboleta azul, pois se a pele
traz suas inscrições, a alma traz sua escritura… como livro dos antigos… como
história-mor… como essência maior dos múltiplos sentidos da borboleta azul.
E assim entre o desejo maior de todos e
a entrega proibida vivia e ainda vive uma borboleta atada à uma pedra.
Pelos deuses! Que raios de laço são esse
que não se desfaz? Só há uma explicação possível: é laço de menina, laço de
moça e laço de mulher… é laço de gente que não vive só pelos sentidos do corpo…
é laço de desenlace (de morte); é laço de gente que prefere viver um gozo
aleijado, amarrado e sofrido do que provar o fel do amor efêmero.
Como eu disse, é um laço caprichoso e
absolutamente típico da mulher! Homens não têm disso… por isso nunca
compreenderão “o que deseja uma mulher”.
E assim prossegue o jogo: um meio amor
aqui, um meio gozo ali, e uma censura chamada “pedra” à quem espontaneamente se
mantém atada uma borboleta azul encarnada.
Será possível que algum dia surgiria
alguém que fosse suficientemente irresistível a ponto de desatar o laço que
prende a borboleta à pedra? E se houvesse esse alguém, o que aconteceria?
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